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A proposição artística Memórias Correntes foi criada para a exposição coletiva Segundos Socorros, realizada entre 5 e 12 de junho de 2021, no Espaço Contemporão, em São Paulo/SP. Durante o período, o espaço abriu-se para retirada de kits contendo proposições artística de doze artistas. O público também foi convidado a doar alimentos não-perecíveis a serem entregues ao instituto Fogão na Rua. Essas duas ações paralelas agiam no sentido de criar momentos de respiro frente aos problemas intensificados pela pandemia.
Memórias Correntes consiste em dois objetos: um barco de papel e um cartão de instruções. O barco é feito a mão com papel sulfite e entregue dobrado. Em uma de suas faces, lê-se manuscrito “Tire um tempo para viver você”. Num dos versos do cartão, o passo-a-passo diagramático de como produzir um barco de papel. No outro lado, instruções diretas para confeccionar o próprio barco, escrever uma frase ou desenhar algo e, então, dedicá-lo a alguém. A proposição fundamenta-se nos conceitos de múltiplo e do it yourself, ao poder ser executada ou reproduzida ilimitadamente pelo público-participante. Assim, o objeto banal de um barco de papel e sua instrução não possuem a característica de obra singular, única. Com efeito, a obra tem uma natureza efêmera, pois acontece na experiência do público-participante ao produzir e dedicar o próprio artefato. Portanto, são obras incompletas – ou obras abertas, no sentido dado por Umberto Eco –, cuja existência necessita da relação direta com o público. Combustível à espera de uma fagulha.
O participante é instigado a produzir gestos criativos internos e externos. A frase manuscrita propõe um ato reflexivo: voltar para si, cuidar-se. A inscrição alude aos títulos das embarcações, geralmente relacionados à vida de seus donos. As instruções do cartão incitam o cuidado com o outro, a possibilidade de produzir em alguém sensações semelhantes. A obra é ativada pelo contato do participante com o barco já produzido pelo artista e complementada pela produção de novo objeto ou mesmo pela decisão de não prosseguir com as instruções.
O barco é elaborado artesanalmente – suas dobras evidentes, mal-acabadas, desgastadas pela compressão na embalagem, a frase escrita à mão – evidenciam gestos subjetivos em meio a tempo, esforço e cuidado depreendidos no preparo. O material, o tamanho do papel, a frase ou o desenho escolhidos, tudo é decidido pelo participante. O trabalho manual, por si só, aciona memórias motoras e afetivas. O barco de papel remete à infância, mas também às embarcações reais. A depender da bagagem do participante, essas recônditas imagens podem ser resgatadas e associadas à ação em execução, ampliando ainda mais as sensações fruitivas. Por isso, tem-se a execução da proposição como um gesto performativo.
Memórias Correntes pretende estimular sensações na recepção e na produção dos barcos, criando uma corrente afetiva para pensar a si mesmo e ao outro, indivíduo em coletividade. Dessa forma, as sensações experenciadas são transpostas aos barquinhos, que as carregam para outra pessoa. A proposição transforma o barco em meio poético, mensagem e mensageiro.
Memórias Correntes
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